ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE OS CRIMES DE ATO OBSCENO, IMPORTUNAÇÃO SEXUAL E ESTUPRO
Além de explicar a diferença entre os crimes, especialistas alertam para a importância de denunciar e ensinam o caminho para buscar ajuda caso seja vítima.
Nesta semana uma jovem de 20 anos denunciou um assédio que sofreu dentro de um ônibus do transporte público em São José dos Campos (SP). Um homem se masturbou ao lado da jovem. O caso foi registrado apenas como ato obsceno na delegacia.
O g1 conversou com duas especialistas em direito civil e das mulheres, para entender as diferenças entre os crimes sexuais de ato obsceno, importunação sexual e estupro.
Segundo a advogada Fabiana Santana, especialista em direito da família e da mulher, a principal diferença entre os crimes é que no caso do estupro e da importunação, o abusador tem vítimas individuais, enquanto o ato obsceno tem a coletividade como vítima.https://d5e036a8dc342753dbbdeedaf5bbe57e.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-40/html/container.html
“As leis contra o estupro e a importunação sexual têm o objetivo de proteger a liberdade sexual da vitima. Já o ato obsceno protege o ultraje público ao pudor. Nesse último caso não vamos ter vítimas individuais, vamos ter a sociedade ou parcela dela como vítima”, afirmou.
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Sobre o caso da jovem assediada no ônibus em São José, Fabiana analisa que o crime foi registrado como ato obsceno, porque na visão da polícia a jovem não foi a única vítima ou que o ato não foi direcionado a ela.
“Nesse caso a gente já consegue perceber que o que se entendeu na delegacia é que o inquérito foi instaurado para investigar a prática do crime de ato obsceno, então eu não vou ter como vítima a moça que denunciou. Vou ter como vítima a coletividade, que seriam as pessoas que estavam no transporte público”, explicou.
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A Priscylla Souza é especialista em direito civil e processual civil. Ela destaca que, assim como aconteceu no caso do ônibus, para que algo seja considerado um ato obsceno não é necessário que envolva nudez.
“A obscenidade não é apenas vinculada à nudez, e nem tudo que envolve nudez é obsceno. Obsceno é aquilo que ofende o padrão médio da moralidade social, ou seja, aquilo que ofende alguém que não é especialmente sensível”, afirmou.
Ato obsceno
Segundo Fabiana, o crime de ato obsceno se caracteriza por ações sexuais realizadas em locais públicos e que ofendem a moral.
“O crime de ato obsceno acontece quando há a prática de um ato de cunho sexual em um local público, mas com o objetivo de chocar todas as pessoas que ali se encontram, não se visa à alguém especificamente. Ele choca a moral da sociedade”, narrou.
Priscylla ressalta que mesmo que não haja intenção, se houver a conotação sexual no ato praticado em público, já caracteriza um ato obsceno, porém, apenas gestos se enquadram nesse crime. Dizeres obscenos ou escritas, não são consideradas.
“No ato obsceno basta que ocorra uma conotação sexual, ou seja, é uma atitude que sugere o sexo. Não precisa necessariamente haver intenção de ofender, mas apenas o dolo, a vontade consciente de praticar o ato. Também vale mencionar que não configura ato obsceno os casos de comunicação de palavra obscena ou escrito obsceno”, relatou.
Veja exemplos de atos obscenos citados pelas especialistas:
- Tirar a roupa no meio da rua
- Urinar em local público
- Expor o pênis dentro de um ônibus
A pena prevista para o crime de ato obsceno é de 3 meses a um ano de detenção ou multa.
Importunação sexual
Já no caso de importunação sexual, o assédio é direcionado a pessoas específicas.
“A importunação sexual pressupõe a existência de uma pessoa específica, alguém a quem o ato se dirige. É um crime para se satisfazer sexualmente, tendo como foco alguém. O indivíduo realiza esse ato na presença da vítima e sem o consentimento dela, para satisfação do próprio autor ou de um terceiro”, explicou Fabiana.
Souza completa que na importunação a vítima é tocada pelo assediador.
“Diferentemente do ato obsceno já mencionado, a importunação sexual há toque entre o autor e a vítima”, disse.
Veja exemplos de importunação citados pelas especialistas:
- Assédio em transporte público
- “Roubar” beijo
- Passar as mãos nas nádegas da vítima
Santana destaca que a lei que criminaliza a importunação sexual é recente, mas fundamental para a proteção das mulheres.
“O crime de importunação sexual se encontra no nosso código penal desde 2018. É uma lei que basicamente veio para proteger a dignidade das mulheres”, disse.
De acordo com Priscylla, antes dessa lei, a importunação sexual era tida apenas como uma contravenção penal, sem possibilidade de prisão.
“Era considerado uma contravenção penal, sua penalidade era apenas a multa”, contou.
A pena prevista para importunação sexual é de um a cinco anos de prisão.
Estupro
Fabiana explica que o crime de estupro é o mais violento de todos e entre os três crimes citados, tem a maior condenação penal na Justiça.
“O crime de estupro é o ato de constranger ou obrigar, com emprego de violência ou grave ameaça, a vítima ter relação sexual ou permitir que com ela se pratique qualquer outro ato libidinoso”, contou.
“Atos libidinosos são condutas que têm a finalidade de satisfação sexual. Casos como lambidas, ejaculação e masturbação, quando feitas sobre violência ou grave ameaça, também podem se configurar como estupro, que é um crime hediondo”, completou.
A condenação mínima por estupro é de 6 a 10 anos de reclusão. Caso a conduta tenha causado lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 anos, essa pena já é elevada de 8 a 12 anos de reclusão. Se o estupro resultar em morte, a pena também sofre outro acréscimo que é de 12 a 30 anos de reclusão.
A Priscylla reforça que há condenação também para quem comercializa ou compartilha vídeos ou fotos de estupros.
“A pena para quem vender ou divulgar cena de estupro por qualquer meio, seja fotografia, vídeo ou outro tipo de registro audiovisual é reclusão, de um a cinco anos. A pena será maior ainda caso o agressor tenha relação afetiva com a vítima”, apontou.
Mesmo sem provas, é possível denunciar crimes sexuais?
As duas especialistas são categóricas. “Sim, mesmo sem provas é possível denunciar, mas não se pode perder de vista que essa denúncia, em primeiro lugar, vai dar causa a uma investigação”, informou Fabiana.
“Apenas o testemunho da vítima é suficiente e a autoridade policial não pode se recusar a registrar a ocorrência. E com nova lei, a denúncia de crime sexual não precisa de consentimento da vítima, ou seja, outras pessoas podem denunciar o abuso”, contou Priscylla.
Dando andamento nas investigações, a palavra da vítima, o relato da violência sofrida, já é um argumento para o caso ir para a Justiça.
“Em um segundo momento, existindo um processo judicial, onde vamos ter juiz, Ministério Público, vítima e réu, já se reconheceu que a palavra da vítima é de fundamental importância em apurações e processos em que se apura a prática de crime contra a liberdade sexual ou contra a dignidade sexual”, completou Santana.
Importância da denúncia
Por medo ou vergonha, as vítimas podem deixar de denunciar os assédios e abusos que sofrem, mas as advogadas ressaltam que a denúncia é importante não só para a vítima, mas para a coletividade e acabam tendo também um impacto de coibição.
“O aumento da percepção da população a respeito dos crimes sexuais, colabora para o aumento das denúncias, instigando dessa forma campanhas informativas”, destacou Souza.
“Tem que se levar ao conhecimento da polícia. Isso tem que acontecer. Sabemos que muitas vezes não acontece, porque as mulheres têm medo e vergonha, mas por força da nossa constituição, é a polícia que vai caber o papel de investigar e apurar esses atos e de levar até o poder judiciário, para que a efetiva punição ocorra. É a dignidade das mulheres que está em jogo”, informou Santana.
“Todas as denúncias têm o papel de prevenção, porque a denúncia leva a investigação, que leva a punição. Quando se vê a punição ocorrendo efetivamente, você vê uma sociedade mais confiante na sua legislação, no papel das instituições, uma sociedade se sentindo mais protegida. Os criminosos vão ficar intimidados e vão ver uma efetiva resposta à prática da justiça a quem comete esses atos revoltantes e nojentos”, completou.
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Como denunciar e buscar ajuda
Toda pessoa que for vítima de um abuso ou assédio, pode e deve procurar a Polícia Militar pelo 190, a Central de Atendimento a Mulher no 180 e a Polícia Civil na Delegacia da Mulher ou em uma delegacia comum, caso não haja uma DDM na cidade que estiver.
Independente do tipo de assédio, Priscylla dá algumas orientações do que a vítima pode fazer e registrar, para poder ter mais apoio no momento da denúncia e auxiliar os policiais na investigação do crime.
“Tem que pedir ajuda a quem estiver por perto e acionar a polícia mais próxima do local. Depois registre um boletim de ocorrência na delegacia mais próxima. Guarde todas as informações que conseguir: dia, hora aproximada, nome e contato das testemunhas, características do agressor, fotos, vídeos se houver. É importante levar o maior número de provas do ocorrido, pois a polícia precisa do material para conduzir a investigação e repassar ao Ministério Público se for o caso”, indicou.
Se primeiro busca atendimento médico ou auxílio da polícia, isso é uma decisão da vítima e do estado em que ela se encontra, segundo as advogadas.
“Infelizmente também há uma demora em procurar um atendimento médico adequado, porque a vergonha e o medo das mulheres causam isso. Quem buscar primeiro, atendimento médico ou polícia, é uma decisão da vítima. Se a vítima decidir procurar a delegacia de polícia, ela vai ser encaminhada para um hospital pelos investigadores”, afirmou Fabiana.
“Se recomenda que procure primeiro um hospital, para receber os primeiros socorros e não coloque sua vida em risco. Nos hospitais, eles têm que cumprir determinações e quando recebem vítimas de crimes contra a liberdade sexual, as unidades de saúde atuam de maneira multidisciplinar, trazendo polícia, assistente social e o que se entender necessário para ajudar a vítima”, enfatizou.
Priscylla destaca um ponto importante: mesmo sem boletim de ocorrência registrado, vítimas de estupro têm direito a um atendimento completo no SUS, para prevenir doenças sexualmente transmissíveis.
“Independentemente de boletim de ocorrência, as vitimas de estupro têm total amparo na rede do SUS, com atendimento multidisciplinar que visa o apoio físico e psicológico e medidas medicamentosas utilizando o PEP (profilaxia pós exposição de risco) que evitam a chance de uma contaminação por IST (infecção sexualmente transmissível). Salienta-se que o início da medicação deverá ser preferencialmente nas primeiras 2 horas na exposição de risco e no máximo 72 horas”, disse Priscylla.
Outra orientação de Santana é que a vítima busque ajuda de seguranças, guardas municipais e testemunhas, caso haja pessoas como essas no local onde a vítima sofreu o assédio ou abuso.
“Nos casos de assédio e crimes de natureza sexual onde há seguranças, com certeza buscar o socorro local é de extrema importância, muito relevante e se deve sim, buscá-lo. Isso com certeza vai auxiliar na condução correta do caso, na produção de provas e na prevenção de outros casos dessa natureza”, relatou.
Por fim, Priscylla Souza afirma que as mulheres não podem temer fazer a denúncia, porque todos os casos de assédio e abuso ficam sob sigilo, não sendo possível que a sociedade e empregadores, por exemplo, tenham acesso ao caso ou saibam que ela foi vítima.
“A Constituição Federal admite o sigilo necessário à defesa da intimidade e o Código de Processo Penal autoriza a decretação do segredo de justiça para a preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem da vítima. Caso a vítima se sinta ameaçada após fazer a denúncia, pode buscar auxílio nos canais de atendimento mais recomendados são o 180 (Central de Atendimento à Mulher) ou o 190 (Polícia Militar)”, finalizou Priscylla.
Fonte: G1