Obras avançam e trêm Turístico será reativado em Cruzeiro
Com a instalação manual de um dormente por vez, avança a reconstrução da histórica ferrovia Minas-Rio, inaugurada em 1883 pelo imperador D. Pedro II, e que vai receber o Trem Turístico da Revolução de 1932, em Cruzeiro. Os primeiros 4,5 quilômetros – dos 34,5 – , a partir da estação ferroviária central, até o final da área urbana, estão prontos. A recuperação da ferrovia que passa pelo Túnel da Mantiqueira, importante marco da guerra paulista, está sendo feita pela Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), quase toda com recursos próprios.
A estrada de ferro ficou abandonada durante três décadas e os dormentes de madeira apodreceram. Na área urbana, os trilhos foram enterrados por obras ou encobertos pelo asfalto das ligações viárias. Conforme o vice-presidente da ABDF regional Sul de Minas, Bruno Sanches, foi preciso desenterrar os trilhos e recompor a linha. “Estamos fazendo um grande esforço para salvar esse patrimônio que estava enterrado, abandonado. No trecho urbano, que já recuperamos, tinha até estacionamento de supermercado sobre a linha do trem, além de trechos encobertos por entulhos”, contou.
Segundo ele, o trabalho é apoiado pela prefeitura, que também investe na reurbanização do entorno da ferrovia restaurada e na reforma do prédio da estação, edificada em 1884. Anexado à estação original da antiga Ferrovia D. Pedro II, rebatizada de Estrada de Ferro Central do Brasil no início do período republicano, o prédio histórico remodelado será usado para embarque e desembarque dos turistas.
TRILHOS DA HISTÓRIA
Ferrovia Minas-Rio, inaugurada em 1883 pelo imperador D. Pedro II, está sendo reconstruída e vai receber o Trem Turístico da Revolução de 1932
Os trilhos avançam em direção à Estação Rufino de Almeida, na área rural, numa extensão de 6 quilômetros. Até agora, foram instalados cerca de 8 mil dormentes, dos quais mil foram doados pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Ao mesmo tempo, mecânicos e técnicos trabalham nas oficinas da ABPF em Cruzeiro para restaurar a locomotiva Maria Fumaça nº 522, modelo Mikado, que vai puxar os vagões com turistas. Outra locomotiva a diesel também está sendo reformada para servir de alternativa à máquina a vapor. Ambas foram fabricadas, em épocas distintas, pela American Locomotive Company (Alco), fundada em 1901, nos Estados Unidos.
No dia 29 de junho, o maquinista Fernando Gonçalves conduziu a reportagem no trecho inicial da linha restaurada, em uma locomotiva a diesel-elétrica. A passagem da máquina, após longo tempo de ausência, chamou a atenção dos moradores. “É mais que idealismo, é loucura mesmo, pois consome tempo e recursos pessoais. O que nos anima é a receptividade da população ao nosso trabalho”, disse Sanches, sobre a reconstrução da ferrovia.
O plano da ABDF é iniciar a operação turística entre Cruzeiro e a primeira estação em dezembro deste ano. A cobrança de tarifa deve custear o serviço operacional. A expectativa é de que, em dois anos, o trem paulista da Revolução de 32 chegue à cidade mineira de Passa Quatro, integrando-se ao trem turístico que já opera do outro lado do Túnel da Mantiqueira, que fica na divisa entre os dois Estados. O Trem da Serra da Mantiqueira, também gerido pela ABDF, faz diariamente o percurso de 20 km entre a estação de Passa Quatro e a Estação Coronel Fulgêncio, próximo da boca do túnel. Essa estação é o ponto culminante da ferrovia, a uma altitude de 1.085.
Sanches acredita que, daqui para a frente, os serviços devem ganhar um ritmo mais acelerado. “O trabalho mais difícil, na área urbana, já foi feito. Agora vamos pegar trechos em que a ferrovia sofreu menos interferências, a não ser a subtração de alguns trilhos que serão repostos”, disse. A boca paulista do grande túnel fica no km 23 e, até lá, existem outros cinco túneis menores, com medidas variando entre 16 e 43 metros de extensão. Tem ainda um pontilhão metálico, em bom estado, com 28 m de vão. O trem vai cruzar vales e encostas da serra de grande beleza cênica, com exuberante mata atlântica e muitas cachoeiras.
PALCO DE BATALHAS
O túnel da Mantiqueira foi palco de sangrentas batalhas entre as tropas rebeldes paulistas e as forças federais fiéis a Getúlio Vargas, em 1932. Sua posição, na Garganta do Embaú, era estratégica para os dois lados: pelo túnel, os trens paulistas levaram as tropas para tomar Passa Quatro e avançar em direção a Três Corações, ponto final da ferrovia, onde estavam aquartelados os federais. Quando os paulistas, inferiorizados, recuaram, o bloqueio do túnel retardou o avanço do exército de Vargas sobre as cidades do Vale do Paraíba.
Estima-se que só ali morreram mais de 100 combatentes, a maioria federais. No final do conflito, as tropas paulistas descarrilaram duas locomotivas no interior do túnel para bloquear a passagem e retardar o avanço do inimigo. Em Cruzeiro, em 2 de outubro de 1932, foi assinado o armistício que resultou no final do conflito, com a rendição dos paulistas.
Após a guerra, a parada do lado mineiro recebeu o nome de Estação Coronel Fulgêncio em homenagem ao tenente-coronel Fulgêncio de Souza Santos, comandante do 7° Batalhão da Força Pública de Minas Gerais, que morreu em combate, defendendo Passa Quatro do avanço dos paulistas.
JUSCELINO KUBITSCHECK
As paredes do túnel ainda conservam marcas de tiros. Na história dessas batalhas, relatos dão conta de que um capitão médico da Força Pública de Minas Gerais teve atuação de destaque, salvando a vida de feridos em combate. Tratava-se de Juscelino Kubitschek de Oliveira.
Na guerra em que foi transformado em herói pelos mineiros, Juscelino conheceu Benedito Valadares, então prefeito de Pará de Minas. Em 1933, quando Getúlio Vargas nomeou Valadares interventor (governador) de Minas, ele convidou Juscelino para ocupar um cargo no governo. Com isso, Valadares abriu as portas da política para JK, eleito presidente da República em 1955.