Sob Bolsonaro, medo de Brasil voltar a ser ditadura tem crescido nos últimos anos
Presidente e apoiadores protagonizaram nos últimos anos uma série de ataques às instituições e ao sistema eleitoral brasileiro; para pesquisadores, fenômeno é mundial
Embora as pesquisas mais recentes apontem que a maioria dos brasileiros apoia a democracia, as sondagens também mostram que o medo de que o país volte a ser uma ditadura tem crescido.
Pesquisa feita pelo Datafolha em setembro de 2021 mostrou que a parcela da população que avalia que existe alguma chance disso ocorrer cresceu cinco pontos percentuais em comparação à sondagem anterior, de junho de 2020. No período, o índice foi de 46% para 51%, o mais alto da série histórica – desses, 20% avaliam que há muita chance (era 21%) e 31% um pouco de chance (era 25%). Para 45%, não há chance do Brasil se tornar novamente uma ditadura (era 49%) e 5% não opinaram (mesmo índice anterior).
Essas duas pesquisas do Datafolha foram feitas em momentos em que o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), ou apoiadores dele faziam ataques às instituições democráticas brasileiras. A sondagem de junho de 2020, por exemplo, foi realizada menos de duas semanas após o acampamento do movimento ‘Os 300 do Brasil’, grupo armado de extrema direita, ter sido desmontado em Brasília. Na época, vândalos lançaram fogos de artifício contra o prédio do STF (Supremo Tribunal Federal).
Já a pesquisa de 2021 foi feita dias após o 7 de Setembro, quando Bolsonaro levou milhares às ruas e pregou desobediência ao STF. Nas manifestações, cartazes com pautas antidemocráticas, como a defesa de uma intervenção militar e a destituição de ministros do Supremo, foram empunhados por apoiadores bolsonaristas. Na ocasião, caminhoneiros convocados pelo presidente ameaçaram invadir a Corte e paralisar o país. Dias depois, alertado por aliados de que havia ultrapassado a linha vermelha e de que sua governabilidade estava ameaçada, Bolsonaro recuou.
Na última pesquisa, o instituto perguntou aos entrevistados sobre as chances do presidente da República dar um golpe de Estado: 50% avaliam que existe essa chance (30% para muita chance e 20% para pouca chance) e 45% afirmaram que não há chance.
Dos ouvidos, 66% disseram que as manifestações nas ruas de apoiadores de Bolsonaro pedindo o fechamento do Congresso e do STF são ameaças à democracia. Para 77%, a divulgação de notícias falsas sobre políticos e ministros do Supremo também é uma ameaça ao regime. Para 72%, o Poder Executivo ameaça a democracia brasileira.
ANÁLISE.
Para estudiosos sobre o tema, o ataque às instituições democráticas não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. “Há um cenário de agravamento de uma forte crise econômica, que já vem desde a metade da década anterior, e esses momentos de dificuldade fragilizam a convicção na ordem política e democrática vigente. Não é um fenômeno exclusivamente brasileiro, e a gente tem percebido que isso tem ocorrido também em outros países”, disse o historiador Moacir Santos, professor da Unitau (Universidade de Taubaté).
“Há alguns anos já sentíamos os efeitos de uma onda de retrocesso democrático no mundo, que acabou por produzir efeitos no Brasil. Esse refluxo da democracia provocou o enfraquecimento dos valores democráticos, a polarização política e social, assim como uma nostalgia autoritária”, afirmou o advogado Frediano José Momesso Teodoro, que é professor da Univap (Universidade do Vale do Paraíba).
Teodoro destaca que, ao contrário do golpe militar ocorrido no Brasil em 1964, dessa vez a ameaça vem de quem já está no poder – no caso do Brasil, por parte de Bolsonaro. “Esse efeito global de retrocesso democrático tem sido encabeçado, na maior parte das vezes, pelos chefes de poder executivo que assumiram o poder democraticamente. Os líderes políticos, quando estão fora do poder, têm boas razões para defenderem a democracia, mas parece que, assim que assumem o poder, a coisa muda de figura. O verdadeiro teste de comprometimento democrático ocorre quando o político assume efetivamente o poder”.
Para o historiador da Unitau, as redes sociais intensificam a divisão, já que criam bolhas e não há diálogo entre os grupos diferentes. “Desde a redemocratização, em 1985, esse é o período mais longo de vigência da democracia no Brasil. O desafio é, exatamente, preservar essa prática e aprofundar a democracia no país”.
Fonte: O Vale