Promessa de Bolsonaro, projeto de criar Vale do Silício na RMVale está na estaca zero
Três anos depois de promessa, relação do presidente com o Vale do Paraíba é marcada por ataques a instituições federais e por cortes no orçamento
Janeiro de 2018. Ainda pré-candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro esteve na região e disse que pretendia criar no Vale do Paraíba uma espécie de Vale do Silício, em referência ao famoso polo industrial dos Estados Unidos, que concentra as principais empresas de tecnologia do mundo.
“Um dos meus sonhos é criar um Vale do Silício aqui na região, a exemplo dos EUA. Não há um local tão apropriado com o empreendedorismo presente como aqui. A região é o centro de tecnologia e polo industrial do país. Não posso levar para um local isolado”, afirmou na época, em visita a São José dos Campos.
Teria sido apenas um discurso vazio de campanha? Pois bem, no fim de novembro de 2018, já como presidente eleito – e ao lado de Marcos Pontes, que se tornaria o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações –, Bolsonaro voltou à região e refez a promessa.
“Estudamos junto com o Marcos Pontes criarmos aqui no Vale do Paraíba um ‘Vale do Silício’, que poderia ser Vale do Grafeno ou do Nióbio, existe essa possibilidade. A região pode ser a escolhida pela proximidade de grandes empresas. Seria aqui na região do Vale”, afirmou em Guaratinguetá.
Damos agora um salto no tempo. Setembro de 2021, após 33 meses de governo Bolsonaro. Do discurso, nada foi colocado em prática. “A nossa região já tem características do Vale do Silício e tem vocação para isso. Mas desconheço qualquer ação do governo federal para que essa questão se acelerasse nos últimos três anos”, analisou o deputado federal Eduardo Cury (PSDB).
Para o parlamentar tucano, caso o presidente pretendesse cumprir a palavra, algumas medidas simples poderiam ajudar a região. “Primeiramente, apoiando as instituições de pesquisa e tecnologia que já existem. Segundo, recuando em relação aos cortes orçamentários do Programa KC-390, que tanto afetam a Embraer”.
Mas, além de não ajudar, Bolsonaro ainda atrapalhou o Vale do Paraíba. O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), por exemplo, que é uma das principais referências em pesquisa do país, virou alvo de ataques do presidente.
Primeiro, Bolsonaro atacou a credibilidade do instituto, em uma tentativa de deslegitimar os dados do Inpe sobre desmatamento na Amazônia, que mostravam – sem deixar dúvida – que a floresta ardia em chamas. “O Inpe produz verdades inconvenientes, verdades que desagradam porque o governo não tem uma politica ambiental”, disse o vice-presidente do SindCT (Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia), Acioli Antonio de Olivo, que foi pesquisador do instituto por quatro décadas.
Depois, entrou em ação uma tentativa de desmonte do instituto. Em 2021, ano em que completa seis décadas, o Inpe tem um orçamento de R$ 76 milhões, o que representa uma queda de 63% sobre o dado de 2010, de R$ 207,5 milhões. “Em 10 anos, o Inpe reduziu seu orçamento a um terço do que era”, lamentou Olivo.
O resultado de tudo isso: o Inpe vai se desligando aos poucos, com cada vez menos servidores, com pesquisas praticamente congeladas e dificuldade de pagar até contas simples, como a de energia. “A metáfora que ele [Bolsonaro] usa, de transformar São José no Vale do Silício, é só se pensar no silício como mineral, que é reduzido a pó. Ele reduziu a pó. Inpe e DCTA [Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial], que abrigam seis institutos de pesquisa, eles estão abandonados, estão à míngua”, analisou o vice-presidente do SindCT.
“Se fosse apenas a inoperância dele, pela falta de ação, não seria tão grave como os ataques que ele fez. Se ele ficasse calado, estaria até ajudando. Mas não, ele atrapalha. Não vejo chance nenhuma de nós estarmos melhorando dentro da política adotada pelo atual governo”, concluiu Olivo.
SILÊNCIO.
Não foi apenas o Vale do Paraíba que Bolsonaro prometeu transformar em um ‘Vale do Silício’. Outras regiões de São Paulo e também de outros estados já ouviram o mesmo discurso do presidente.
Em outubro de 2020, por exemplo, quando já estava no cargo há quase dois anos, disse em Campinas (SP): “por que não temos aqui do lado o Vale do Silício da Biotecnologia?”. Em abril de 2021, disse em Minas Gerais que pretendia transformar o Brasil inteiro em um ‘Vale do Silício’.
OVALE questionou o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações sobre as declarações de Bolsonaro e a falta de ações do governo federal para concretizá-las, mas a pasta não comentou.
Para 2021, o orçamento do ministério é de R$ 8,3 bilhões, uma queda de quase 30% sobre o montante observado em 2020 (R$ 11,8 bilhões). O valor reservado para pesquisas é de R$ 2,7 bilhões, o que representa uma diminuição de 15% sobre o ano passado e de 58% na comparação com o ano de 2015.
Fonte: O Vale