Defensoria quer barrar projeto da Prefeitura de São José que libera usinas termelétricas
Órgão alega que gestão enviou projetos sem exigir licenciamento, discussão com especialistas e apresentação de impactos ambientais. Cidade é a 10ª no ranking estadual em emissão de carbono.
Um projeto de autoria do prefeito de São José dos Campos, Felício Ramuth (PSDB), que pretende liberar a instalação de usinas termelétricas na cidade se tornou alvo da Defensoria Pública, que pretende barrá-lo. A proposta do executivo se tornou um impasse por envolver diversos pontos cegos, segundo o órgão, como não haver um estudo de impactos ambientais e implicar em um provável aumento na emissão de carbono na cidade, que é a 10ª no ranking estadual (leia mais abaixo).
A instalação se daria por uma emenda à Lei Orgânica do Município, que passaria a permitir a atividade, que atualmente é proibida. O projeto tramita no legislativo e a Defensoria recomendou que a casa devolva à prefeitura e não leve o texto para a fase de discussão e votação em plenário.
Pela proposta, a prefeitura quer permitir a instalação e habilitação de usinas termelétricas já existentes de qualquer fonte e não limita o número de unidades possíveis na cidade, incluindo apenas a exigência de relatório caso a cidade ultrapasse o limite de 30 megawatt em produção de energia desse tipo.
No texto, a prefeitura ainda retira das exigências as de gás natural por, segundo a gestão, “se tratar de combustível de transição energética para uma economia de baixo carbono e de baixo impacto”. A definição é questionada por especialistas que alertam que a substância é combustível fóssil.
PONTOS CEGOS
O texto virou alvo da Defensoria, que apontou pontos cegos da gestão na mudança. Entre eles estão:
• A falta de apresentação de um estudo de impactos ambientais para a cidade junto com o projeto.
• A contradição entre a alegação de que as termelétricas seriam fontes de energia alternativa à crise de energia, mas para a implantação, segundo especialistas, seriam necessários três anos. Tempo que ultrapassaria o período de risco de ‘apagão’.
• Falta de discussão com especialistas e a comunidade. A proposta não passou pelo conselho de meio ambiente, para discutir consequências e, em caso de aprovação, os limites ou medidas de compensação ambiental. Também não foi discutido em audiências públicas.
• Exigências vagas. O texto prevê apenas que as empresas devem “adotar as melhores tecnologias e práticas disponíveis para a eficiência energética e hídrica do processo, minimização e controle de emissões atmosféricas e efluentes”, sem dizer quais seriam as práticas.
TRÂMITE
Na câmara, a assessoria jurídica questionou pontos do projeto por entender que ele ultrapassa o limite da legislação municipal. Apesar disso, a comissão de justiça manteve o parecer favorável e encaminhou o projeto para a tramitação.
A vereadora Amélia Naomi (PT), incluiu emendas para exigir apresentação de estudos de impactos, audiências públicas e discussão com os conselhos de meio ambiente.
Ainda não houve retornou sobre o pedido da defensoria na câmara e não há prazo para que a medida seja votada. Ainda é necessário o parecer das demais comissões, incluindo a de meio ambiente.
10ª MAIOR EMISSORA DE CO2 EM SP
De acordo com os dados da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Governo Estadual, São José dos Campos é a 10ª maior emissora de CO2 do estado, com mais de 884 toneladas ao ano. Com isso, especialistas questionam a decisão da gestão, que pode aumentar a emissão de poluentes.
Luciana Gatti é pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), estuda a emissão de carbono na Amazônia e critica a medida, citando um retrocesso em relação a políticas ambientais.
“A população mundial quer diminuir o uso de combustível fóssil, e São José, ampliar. Isso é um retrocesso em uma cidade que quer avançar e não traz uma proposta de economia de baixo carbono. Ele está focado na liberação de termelétrica a gás natural e precisa ser vetado de forma integral”, disse.
Ela ainda alerta que, como o texto está escrito, permite ainda que empresas façam a implantação de várias unidades com baixo limite, mascarando a previsão legal.
“Se tiver dez unidades de 1.8MW está dentro do limite. A gente sabe que isso é ruim para a qualidade do ar, para o ambiente, para a imagem da cidade, que não tem compromisso com o sustentável, mas o que de fato acontece? Não se sabe e nem vai saber porque não tem previsão de estudo de impacto”, pontua.
O relatório estadual ainda aponta que da produção de energia em São José dos Campos é de 1,9 bilhão de KM/H ao ano. Do total, o setor industrial fica com uma fatia de 694 milhões (35%) e residências com 580 milhões (cerca de 29%). A especialista aponta que uma solução mais ágil e limpa é a energia solar para o uso residencial, deixando uma fatia maior da geração de energia para a indústria.
O QUE DIZEM PREFEITURA E CÂMARA
Em entrevista à TV Vanguarda, o secretário de urbanismo e sustentabilidade, Marcelo Manara, disse que, apesar do pedido da defensoria, a gestão não pretende retirar a proposta e que é para modernização.
“É necessário que façamos essa modernização para que tenhamos a segurança energética para o desenvolvimento da cidade e de toda a região. A energia é hoje quase que exclusivamente baseada na geração hidro energética e nós estamos vendo a preocupação da nação com o colapso e apagões. Para o país sair da crise, pra São José ter essa participação de alavancagem, socioeconômica inclusive, é necessário que tenhamos a segurança energética. Esse é o ponto principal, lógico que dentro do rigor ambiental”, informou.
Questionada pela reportage sobre críticas feitas por especialistas e ambientalistas ao projeto, a pasta municipal de meio ambiente respondeu que:
“É equivocado afirmar que as usinas termelétricas cuja modernização da Lei Orgânica pretende permitir que se discuta a viabilidade de instalação no município, represente um retrocesso ambiental. As térmicas, inclusive, fazem parte da estratégia nacional para a mitigação das mudanças climáticas e a transição para uma economia de baixo carbono, como as movidas a biomassa e biogás. É preciso considerar que, no cenário atual e futuro, especialistas apontam para a redução da capacidade de geração de energia por hidrelétricas, e que outras fontes renováveis, que terão um papel importante no enfrentamento às mudanças climáticas, possuem limitações operacionais!, diz trecho.
Na resposta, a administração ressaltou que atualmente existe apenas uma termelétrica movida a gás natural com cerca de 9MW de potência instalada e que somente haverá a implantação de termelétricas no município se houver viabilidade ambiental na avaliação da Cetesb.
Em nota, a câmara informou que o processo está em tramitação, aguardando manifestação das comissões permanentes. Sobre a recomendação da Defensoria Pública, disse que vai analisar quando o projeto “tiver condições de ser apreciado pelo plenário do legislativo”.
CONTRADIÇÃO
Em 2018, o prefeito Felício Ramuth (PSDB) assinou o Pacto Mundial de Prefeitos pelo Clima e a Energia. O documento é parte de uma coalizão global de líderes municipais no compromisso de reduzir a emissões de gases de efeito estufa.
À época, a gestão chegou a fazer uma aba em seu site dedica a medida. No site do pacto, consta ainda como município integrante. A reportagem acionou o grupo para saber se acompanhavam a medida da prefeitura, mas aguardava o retorno até a publicação.
Sobre este ponto, a prefeitura informou que “a esfera municipal tem pouca influência no planejamento energético nacional, porém São José atua para incentivar as fontes de energia renováveis, alinhada ao Pacto Global pelo Clima e Energia” e destacou projetos como o IPTU Verde e o Programa Energia Verde.
(G1