Revolução Constitucionalista . 1932
Há 70 anos, o povo paulista promoveu um movimento singular na história do País. Toda a população se uniu em torno do mesmo ideal e partiu para a luta armada para que o Brasil tivesse sua Constituição. O episódio ficou conhecido como Revolução Constitucionalista de 1932, uma verdadeira guerra civil que custou a vida de mais de 800 paulistas, de acordo com dados oficiais. Mesmo saindo perdedor, São Paulo tem muito o que comemorar. Dois anos depois da revolução, em 1934, uma assembléia eleita pelo povo promulgou a nova Carta Magna do País.
Para entender a Revolução Cívica de 32, é preciso voltar dois anos na história. Tudo começou com a revolução liberal de outubro de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder. Ele assumiu a presidência do Brasil em caráter provisório, mas com amplos poderes. Todas as instituições legislativas foram abolidas, desde o Congresso Nacional até as Câmaras Municipais. Em outubro de 1930, a Constituição foi abolida. Todas as instituições legislativas e executivas passaram a ser dirigidas pelo Governo Federal. Os governadores dos Estados foram depostos e, para suas funções, Vargas nomeou interventores.
‘Os interventores agiam em nome do ditador, que era Getúlio Vargas. No caso de São Paulo, em geral, esses interventores eram estranhos, desconheciam o grau de desenvolvimento e de progresso do Estado. O interventor nomeado começou a interferir demais e prejudicar a administração pública’, explica o historiador Paulo Tenório da Rocha Marques, vice-presidente da Sociedade dos Veteranos de 32 – MMDC e filho de combatente.
A partir daí, população paulista e as autoridades passaram a reivindicar um tratamento mais adequado a São Paulo e a reconstitucionalização do País. ‘Pediam o respeito às leis, à Constituição, ao regime de estado de direito que o Brasil tinha se afastado’, diz Marques.
O movimento não ficou restrito a São Paulo. Vários Estados também estavam preocupados com o restabelecimento do regime democrático no Brasil, entre eles, o Rio de Janeiro, que era a Capital Federal, Minas Gerais, Alagoas e o Rio Grande de Sul.
O interventor pediu demissão e Getúlio Vargas nomeou um paulista, o diplomata Pedro de Toledo. Mas já era muito tarde: os ânimos estavam exaltados. São Paulo tinha um interventor paulista e civil, mas a situação não se acalmou. Em novembro de 1931, o povo paulista começou a unir-se para protestar contra a situação.
No dia 25 de janeiro de 1932, aniversário da cidade de São Paulo, houve um imenso comício na Praça da Sé, colorido com bandeiras de São Paulo. Partidos políticos que eram rivais estavam unidos. O descontentamento foi aumentando e o povo se revoltou.
Em 23 de maio, houve uma grande manifestação pública na Praça da República, em frente a sede do recém nomeado Partido Popular Paulista, a antiga Legião Revolucionária, que representava a revolução de outubro de 1930. Os partidários reagiram à bala. Nesse conflito foram mortos quatro estudantes: Euclides Miragaia, Mário Martins de Almeida, Dráusio Marcondes de Souza e Antonio Américo de Camargo Andrade.
‘No princípio a população estava desarmada. Era simplesmente uma manifestação de protesto contra a ditadura. Com as primeiras mortes, o povo quis revidar e arrombaram duas casas de armas que existiam na Rua Barão de Itapetininga’, conta Marques.
O nome dos quatro (Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo) serviu para designar o movimento paulista MMDC, sociedade secreta que visava a proteção do Estado de São Paulo e a organização da revolução.
As mortes exaltaram os ânimos da população e intensificaram o entusiasmo popular em prol da reconstitucionalização do País. A idéia de revolução tomou conta de todos, sem distinção de classe social.
Os tumultos intensificaram-se cada vez mais, tanto na Capital quanto no Interior do Estado. Em todas as sacadas agitavam-se bandeiras e as multidões se inflamavam num movimento que logo explodiria: ‘queremos armas para defender São Paulo, para salvar o Brasil’.
No dia 9 de julho, explodiu a revolução
A exaltação popular chegou ao máximo no dia 9 de julho, quando explodiu a luta armada em prol da Constituição. A Faculdade de Direito de São Paulo, no Largo São Francisco, foi transformada em primeiro posto de alistamento de voluntários para as frentes de combate. Formaram-se batalhões. A preparação militar foi rápida e improvisada para esses voluntários.
No dia 12 de julho iniciaram-se as operações militares. Formaram-se diversas frentes de batalha nas divisas com o Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e também no Litoral.
A organização e a capacidade do povo paulista foram postas à prova. Tropas foram enviadas para os frontes em todo o Estado. Mas os soldados federais eram mais numerosos e bem equipadas. Aviões foram usados para bombardear cidades do Interior paulista. Os 35 mil homens de São Paulo enfrentam um contingente de 100 mil soldados. Os revoltosos esperavam a adesão de outros estados, o que não aconteceu. São Paulo contava com o apoio dos militares de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso. Mas somente Mato Grosso manteve-se leal a São Paulo. ‘Os Estados foram enganados pelas forças oposicionistas, pelos interventores. Não traíram São Paulo como muitos dizem, o interventor, sim’, acredita Marques.
Os paulistas mobilizaram-se com recursos materiais e humanos para defender o Estado. De um lado, a produção industrial em quase todos os setores e, de outro, a colaboração e solidariedade de todos, inclusive de mulheres e crianças.
A indústria paulista apoiou integralmente o movimento armado, ocupando um papel decisivo na preparação econômica da guerra. Cerca de 500 estabelecimentos industriais foram mobilizados por um cadastro realizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e pela Escola Politécnica.
A participação da indústria foi intensa: houve a criação de máquinas novas, adaptação e alteração de outras para fabricar cartuchos de fuzil, bombas, lança-chamas, explosivos, granadas e combustíveis líquidos e sólidos. Além disso, houve a produção de alimentos, roupas, uniformes, capacetes e diversos outros objetos – sempre conforme as necessidades. Esta foi a retaguarda das trincheiras de 32.
O movimento despertou o sentimento patriótico na maior parte da população do Estado. Tão logo se formavam, os batalhões iam para as frentes de combate. Moços e velhos lutava, lado a lado, unindo gerações num ideal comum.
A participação das crianças foi notória. Algumas formaram batalhões e saíram às ruas empunhando bandeiras com os dizeres: ‘Se necessário também iremos!’. As mulheres paulistas tiveram um papel de destaque. Elas foram o impulso espiritual e a retaguarda da revolução constitucionalista. Foram enfermeiras improvisadas, auxiliaram na confecção de uniformes e trabalharam em fábricas de munição. Também organizaram postos de abastecimento na Capital e no Interior para que não faltassem recursos de primeira necessidade às famílias dos combatentes. A atitude de desprendimento das mulheres servia constantemente de incentivo para que os homens não abandonassem a luta.
Um dos aspectos que mais expressou a união e a solidariedade dos paulistas foi a ‘campanha do ouro’. As famílias desfizeram-se de seus pertences de ouro para auxiliar nas despesas da Revolução. Centenas de quilos de ouro foram transformados em barras. Aos que ofertavam alianças era dado um anel de ferro com a inscrição ‘dei ouro pelo bem de São Paulo’. Os que entregavam outros objetos, recebiam um certificado com a mesma inscrição.
O clero também apoiou a revolução, aprovando seus ideais e colaborando com sua assistência espiritual e material. Tanto arcebispos, quanto sacerdotes, párocos e capelães, se colocaram ao lado do movimento revolucionário e lutaram pelos ideais de reconstitucionalização.
Todos os veículos de comunicação foram mobilizados para auxiliar a causa paulista. Rádios, jornais e revistas divulgavam informações sobre batalhas, davam orientações e incentivavam o povo a colaborar na luta.
Mas, apesar de todos os esforços do povo paulista, em fins de agosto já era visível a escassez de armamentos e recursos materiais das tropas de São Paulo. Em setembro, o desgaste era muito grande. Os próprios comandantes paulistas, procurando evitar maiores sacrifícios humanos, tentaram um acordo para chegar à paz. No dia 2 de outubro, com a Convenção Militar de Cruzeiro, cessaram as hostilidades, pondo fim à luta armada.
Após três meses de batalha, os paulistas se renderam. De acordo com dados oficiais, cerca de 830 combatentes morreram, somente do lado de São Paulo.
Entretanto, a derrota militar não significou a derrota dos ideais de constitucionalização. Foram marcadas as eleições para a Assembléia Constituinte, que se realizaram no dia 3 de maio de 1933.
A Assembléia Constituinte reuniu-se nos últimos meses de 1933 e elaborou a Constituição brasileira, que foi promulgada pelo presidente Getúlio Vargas, em 1934.
Assim, dois anos depois da revolução, uma Assembléia eleita pelo povo promulgou a nova Carta Magna do Brasil.
‘Falam que lutamos por separação. Eu jamais pegaria na arma, jamais passaria o que eu passei, para fazer São Paulo separar-se do Brasil’, emociona-se o ex-combatente de 1932, Geraldo F. Marcondes. Aos 19 anos, Marcondes estava no fronte lutando por São Paulo. Hoje, com 90 anos, ele preside a Sociedade dos Veteranos de 32 – MMDC.