Falso médico da Dutra: Profissionais alertaram empresa sobre risco de fraude com terceirização do serviço

Empresa terceirizada assumiu o trabalho e mudou condições para atuação dos médicos socorristas no fim de 2021. Falso médico atuou por quatro dias no socorro a vítimas de acidentes de trânsito e chegou a amputar perna de um homem durante atendimento. Ele foi denunciado ao MPF pelo Cremesp e a Polícia Civil investiga o caso.

Médicos que atuaram como socorristas na Dutra alegam que fizeram alertas sobre o risco de fraude com a terceirização do trabalho de resgate na rodovia, que ocorreu no fim de 2021. A revelação sobre os avisos foi feita após a descoberta de um falso médico que chegou a atuar no atendimento a vítimas de acidente e amputou a perna de um homem.

Gerson Lavísio atuou como médico no resgate da rodovia por quatro dias contratado pela empresa Enseg, terceirizada da concessionária CCR Rio-SP responsável pelos atendimentos a vítimas de acidente de trânsito na Dutra.

Ele foi flagrado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) com um CRM (registro profissional) falso, em nome de outro profissional. Gerson é investigado pela Polícia Civil e o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) denunciou ele ao Ministério Público Federal (MPF) por fraudar um diploma de medicina (leia mais abaixo).

De acordo com o médico Carlos Gustavo Medeiros, que foi desligado do trabalho após a terceirização, foi protocolado um documento feito pelos profissionais junto à CCR e à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) alertando sobre a possibilidade de precarização do serviço com o processo gerido pela nova empresa.

“Foi alertado documentalmente de que esta precarização poderia colocar em risco inclusive o usuário. Isso foi alertado à presidente e ao coordenador administrativo [da CCR]”, explica o médico.

Ele complementa explicando qual o risco envolvido em um processo de salvamento de vítima de acidente de trânsito na rodovia.

“A nossa preocupação era justamente que essa queda poderia causar problemas e esse seria o mais agudo. De não conseguir desencarcerar [nome técnico para remoção de um acidentado das ferragens de um veículo] uma vítima. Porque o princípio é você ver uma vítima encarcerada e você tem que tirar a ferragem da vítima, não a vítima da ferragem”, alerta o médico, que disse que desde o início da concessão, em 1995, a mortalidade em acidentes foi reduzida em cerca de 80% devido ao investimento em salvamento.

O que diz a ANTT

A Agência Nacional de Transportes Terrestres informou que monitora o assunto e que vai solicitar esclarecimentos à CCR sobre o caso. A ANTT informou ainda que cabe à concessionária a gestão da qualidade do serviço oferecido ao usuário.

Enseg e a CCR Rio-SP foram procuradas, mas não retornaram os questionamentos da reportagem. Em notas divulgadas na terça-feira, ambas empresas se disseram apenas “surpreendidas” com o caso do falso médico e que colaboram com as autoridades.

Denúncia após amputação

A suspeita sobre o falso profissional começou quando atendia as vítimas de um acidente na rodovia em Lavrinhas neste domingo (13). Um engavetamento entre três caminhões deixou um motorista preso nas ferragens, um homem de 36 anos. Durante o atendimento, ele decidiu amputar a perna da vítima ainda na pista.

Depois de despertar a atenção da Polícia Rodoviária Federal (PRF) pela conduta durante um atendimento, Gerson Lavísio foi levado à delegacia e confessou não ter formação médica. Ele também é investigado pela Polícia Civil por exercício ilegal da profissão, mas segue em liberdade.

Gerson foi contratado pela Enseg. Ao g1, na terça-feira, a empresa disse que ele apresentou a foto do diploma e do pedido de abertura de registro no conselho, que ainda estava pendente. Sem o registro, ele já não poderia atuar, mas mesmo assim foi contratado.

Gerson Lavísio atuava como médico no resgate na via Dutra e passou a ser investigado depois de ser flagrado pela Polícia Rodoviária Federal com um CRM falso — Foto: André Bias/ TV Vanguarda

Gerson Lavísio atuava como médico no resgate na via Dutra e passou a ser investigado depois de ser flagrado pela Polícia Rodoviária Federal com um CRM falso — Foto: André Bias/ TV Vanguarda

Após a denúncia da PRF à polícia, o Cremesp foi acionado pela empresa e, ao analisar o pedido que havia sido feito em 9 de fevereiro, percebeu que o diploma era falso. Com isso, denunciou o homem ao MPF por tentar aplicar fraude para exercer a medicina.

A denúncia foi encaminhada na terça-feira (15). O MPF informou que o caso será distribuído a um procurador da República, que fará a análise preliminar dos fatos para determinar os próximos passos. Não há um prazo definido para a conclusão dessas etapas.

Além disso, o Conselho disse que também vai acionar o médico responsável pela empresa para prestar esclarecimentos sobre permitir a contratação do homem sem o registro. Uma apuração interna foi aberta e a empresa pode ser punida por infração da ética médica.

O homem que teve a perna amputada é do Mato Grosso e está internado na Santa Casa de Lorena.

Antecedentes

g1 apurou que essa não é a primeira vez que o homem tenta se passar por médico. Em 23 de dezembro, ele foi flagrado em uma unidade de atendimento em Parelheiros, na capital.

No boletim de ocorrência diz que ele foi contratado por uma empresa terceirizada de saúde e que o diretor clínico suspeitou quando passou a ver erros nas fichas médicas. Quando foi flagrado, ele já tinha atendido pelo menos 15 pessoas no plantão.

No dia, ele também apresentou um CRM de outro médico. Com isso, foi levado à delegacia, mas o caso foi registrado como exercício ilegal da profissão, que tem pena menor de dois anos e, por isso, não foi preso.

Ao longo de sua falsa trajetória médica, ele usou registros de dois profissionais diferentes, sempre apresentando diploma falso.

Na terça-feira, na delegacia, a reportagem tentou conversar com o falso médico, mas ele se recusou a falar.

Fonte: G1

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