Polo de pesquisa e inovação, São José reage à ameaça de desmonte científico

Capital da ciência mais inovadora do Brasil, São José dos Campos reage à ameaça de desmonte no setor, que vive crise desde 2015 e cuja situação piorou sob o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), declaradamente anticiência.

O ‘símbolo’ desse desmonte é o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que tem sua sede em São José dos Campos e é, aos 60 anos, a instituição brasileira de ciência e pesquisa mais respeitada no exterior.

No entanto, o instituto enfrenta problemas financeiros graves e corre o risco de não conseguir encerrar o ano com o atual orçamento, o mais baixo da sua história recente.

Não só o presente está ameaçado, mas o futuro. A falta de política pública, interesse e gestão governamental para a instituição pode comprometer a sobrevivência do Inpe. O órgão periga ser transformado em pequenos institutos desconectados e longe da sua importância histórica. Nos corredores, a sensação é de que o Inpe está sendo desmontado. Literalmente.

“Estamos em processo de desmonte”, disse um servidor de carreira a OVALE. “O Inpe está deixando de fazer as coisas que sempre fez, como satélites, missões e até a previsão do tempo. Vai ficar cada vez mais sem recursos”.

No entanto, diante desse descaso governamental com as ciências, São José dos Campos se consolida como bastião de resistência ante a onda negacionista que cresceu em meio à pandemia do novo coronavírus.

Enquanto o mundo buscava na ciência a saída para a maior crise sanitária em 100 anos, o presidente do Brasil defendia remédios sem eficácia, evitava comprar vacinas com antecedência e menosprezava a ciência brasileira, que seria capaz de enfrentar a pandemia com eficiência e destaque internacional.

“De uma Ferrari viramos uma carroça enferrujada”, disse a OVALE o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, em referência à inépcia do governo federal em vacinar a população. “Tínhamos três pilares para enfrentar a pandemia: proteção da vida, defesa do SUS e as decisões pela ciência. O presidente sabotou todos”.

A briga de Bolsonaro contra a ciência teve São José dos Campos como palco do seu episódio mais marcante: a demissão do então diretor do Inpe, Ricardo Galvão, em agosto de 2019.

Ele foi exonerado do cargo após responder a acusações de Bolsonaro contra os dados do Inpe sobre o desmatamento da Amazônia, internacionalmente reconhecidos.

“Qual a razão de ir contra isso? Será que é a extrema ignorância ou há interesses econômicos escusos? Alguma coisa é movida por ideologias baseadas na soberba da ignorância”, disse Galvão a OVALE.

Mas nada é tão ruim no Brasil atual que não possa piorar.

Na crise do coronavírus, o efeito anticiência cresceu exponencialmente no país e cientistas de São José e da região passaram a se posicionar em defesa do conhecimento.

“Com a crise ocasionada pela pandemia, a ciência assumiu protagonismo global”, disse Acioli Antonio de Olivo, pesquisador aposentado do Inpe e dirigente do SindCT (Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia).

“Mais do que nunca, tornou-se imperativo que o conhecimento científico esteja na vanguarda das decisões políticas. Enquanto não se alcança a solução no plano biológico, buscam-se as diretrizes sociais mais adequadas, amparadas em base científica, para mitigar as consequências do vírus”, disse Olivo.

Antonio Miguel Monteiro, pesquisador sênior do Inpe e coordenador do Laboratório de Investigação de Sistemas Socioambientais da OBT (Coordenação Geral de Observação da Terra), diz que não há uma onda mas um ‘tsunami negacionista’ da ciência. “Fato global, nacional, regional (Vale) e local (São José)”.

E mesmo com a ligação científica e tecnológica, São José, para Monteiro, revelou sinais preocupantes. “No Vale, foi em São José que vimos carreatas contra o isolamento social, a única medida com racionalidade na ciência aceita e implementada globalmente”.

Continuou Monteiro: “A ciência já mostrou porque é indispensável em tempos de pandemia global. Todas as medidas adotadas pelas autoridades sanitárias, estaduais e federais, têm como base a boa e velha ciência que tem trabalhado com bom e velho método científico e produzido informações para a gestão da crise”.

O pesquisador do Inpe ainda completou: “Para as empresas de São José e da região, há a oportunidade única de mostrar sua capacidade de engajamento social. Por fim, nossas lideranças políticas deveriam aprender uma lição com a pandemia: repensar a importância da região para além das suas cidades e firmar um compromisso pela prioridade de um planejamento metropolitano”.

Paulo Garrido, presidente do Sindicato Nacional dos Servidores da Fiocruz e ligado a São José, disse que o obscurantismo, contra todas as evidências, “insiste em falsificar a realidade, espalhando mentiras e atacando todos àqueles que se colocam contra os posicionamentos obtusos por eles adotados”.

“A ciência trava um combate contra o radicalismo totalitário que nada constrói de bom para o país, mas que, ao contrário, serve à barbárie e a interesses antinacionais.”

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