Cientistas detectam casos de brasileiros infectados simultaneamente por linhagens diferentes do coronavírus

Dois jovens adultos do Rio Grande do Sul se tornaram os primeiros casos do Brasil de pessoas infectadas simultaneamente por duas linhagens diferentes do coronavírus. A descoberta, alertam cientistas, só evidencia a grande circulação do Sars-CoV-2 e a urgência de vacinar o maior número de pessoas no menor tempo possível.

Uma das linhagens presentes nos dois casos é a P2, originada no Rio de Janeiro e que tem a temida mutação E484K. Essa mutação preocupa porque parece dar ao coronavírus a capacidade de escapar do ataque de anticorpos. Isso, em tese, poderia reduzir a eficácia de vacinas.
O trabalho, que também identificou mais uma nova linhagem de coronavírus no Brasil, esta do Rio Grande do Sul, foi realizado por cientistas do Laboratório de Bioinformática do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), em Petrópolis, e do Laboratório de Microbiologia Molecular da Universidade Feevale, em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul.

CO-INFECÇÃO PODE ACELERAR A GERAÇÃO DE NOVAS LINHAGENS
O virologista Fernando Spilki, coordenador do estudo, destaca que a co-infecção é muito relevante porque esse é um dos mecanismos que pode acelerar a geração de novas linhagens. E novas linhagens podem vir a se tornar um problema para as vacinas, embora até agora não haja evidências sobre isso.
A possibilidade de co-infecção está entre as linhas de investigação propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) este mês numa reunião com especialistas de 134 países. Ela acontece quando uma mesma pessoa contrai no mesmo episódio ou num curto espaço de tempo, questão de dias, linhagens distintas do vírus.
– A co-infecção mostra que há a possibilidade de recombinação de genomas do vírus. Esse mecanismo está na base da geração de novos coronavírus na natureza. Possivelmente, foi assim que o Sars-CoV-2 passou de morcegos para o ser humano. Esses casos do Sul mostram que a evolução do Sars-CoV-2 pode estar acelerando e são mais um sinal de alerta – destaca Spilki.
A pesquisa é parte do trabalho da Rede Corona-ômica, coordenada por ele, que sequencia e analisa o genoma do coronavírus em todo o Brasil. O trabalho recém-publicado descreve o espalhamento da P2 e também o surgimento de uma variante gaúcha do Sars-CoV-2, chamada VUI-NP13L. Até agora, somente um estudo da África do Sul, realizado pela equipe do brasileiro Tulio de Oliveira, havia sugerido que a co-infecção é possível.
A nova pesquisa identificou nas amostras de genomas de coronavírus de 92 pessoas com Covid-19 dois casos de co-infecção. São dois adultos de 30 e 32 anos, de cidades diferentes do Rio Grande do Sul. Ambos tiveram Covid-19 de leve a moderada e não precisaram de internação.
O sequenciamento da amostra deles revelou que os dois foram infectados pela P2. Mas suas amostras também tinham o genoma de mais uma linhagem. Essa segunda linhagem variou entre os casos, sendo as duas já conhecidas no Brasil.

DESCOBERTA MOSTRA GRANDE CIRCULAÇÃO DO VÍRUS NO PAÍS
A descoberta tem implicações imediatas. A primeira é mostrar a grande circulação do coronavírus, elevada ao ponto de possibilitar que uma mesma pessoa fosse exposta num curto espaço de tempo duas vezes ao coronavírus, e que este estivesse presente em linhagens distintas, incluindo a nova P2. Os casos são do final de novembro, período que corresponde à elevação da segunda onda no Sul e à introdução da P2 no estado.
A segunda é o surgimento de novas linhagens em pouco tempo, diz Spilki.
– A geração de novas linhagens em pouco tempo é preocupante e a co-infecção abre caminho para que essas linhagens se combinem em pessoas infectadas. A recombinação é um processo conhecido em vírus, uma forma de evoluir e se adaptar – explica ele.
Além disso, há desdobramentos de prazo maior, o mais importante deles as possíveis consequências para as vacinas.
– As pessoas com Covid-19, mesmo que branda, precisam saber que realmente precisam se resguardar. E são as aglomerações que permitem ao vírus se espalhar como bem entende. A vacinação precisa ser muito mais rápida do que temos visto para conter a pandemia – enfatiza Spilki.
Os cientistas não sabem o quão comuns podem ser as co-infecções. Mas dizem que não há motivo para pensar que sejam raras.
– Podem ser relativamente frequentes, vírus fazem isso – acrescenta.

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