MP pede condenação de empresários envolvidos em esquema que afastou prefeito de Ilhabela

Em delação, empresário admite ter sido beneficiado em contrato por ter feito Caixa 2 para campanha de Márcio Tenório para a prefeitura. Prefeito foi cassado e responde a processo na justiça.

O Ministério Público pediu à justiça a condenação de dois empresários e um policial militar alvos da operação da Polícia Federal que afastou o ex-prefeito de Ilhabela, Márcio Tenório, eleito em 2016. Eles são acusados de lavagem de dinheiro, corrupção ativa, associação criminosa, entre outros crimes.
A reportagem teve acesso ao documento do pedido que cita delação premiada do empresário Adriano César Pereira, um dos acusados. Ele admite ter financiado a campanha do gestor em troca de benefício em contratos e cargos públicos. A suspeita é de que o grupo tenha desviado R$ 9,6 milhões dos cofres públicos.
O esquema veio à tona depois de uma investigação da Polícia Federal que terminou com a Operação Prelúdio, em maio de 2019. À época, o empresário foi preso, e o prefeito e cinco funcionários da gestão afastados do cargo. Tenório segue fora da prefeitura e também responde a processo pelo esquema.
O documento do MP traz detalhes das investigações da PF, a delação premiada do empresário preso, além de depoimentos de servidores envolvidos no caso.

O ESQUEMA
A ação, segundo a investigação, teve início em 2016 quando Márcio Tenório teria aceitado o que Adriano César Pereira chama de “parceria” em sua delação. O empresário financiaria a campanha do então candidato em troca de um cargo na Secretaria de Obras. A partir disso, o empresário conta ter feito repasses para o então candidato que, ao ser eleito, não teria cumprido com o combinado.
Em troca, Tenório teria oferecido a ele o contrato para tratamento de resíduos sólidos e poda. À época, já havia uma empresa operando o serviço com custo anual de R$ 4,8 milhões, a Peralta. Em seu depoimento, Adriano conta que um funcionário da gestão Tenório disse que resolveria o problema e pouco depois a empresa encerrou o contrato de forma amigável com a prefeitura.

A apuração da polícia aponta que a gestão fraudou uma situação de emergência com excesso de resíduos para fazer a licitação com dispensa, para garantir que a empresa com participação de Adriano, chamada Negreiros, assumisse o serviço. Isso aconteceu em maio de 2017, quando a Negreiros ganhou o contrato para a prestação de seis meses de serviço por R$ 13 milhões, valor três vezes maior que o pago antes pela administração.
Adriano, porém, não agiu sozinho, de acordo com a investigação. O inquérito aponta o envolvimento de Tatiana Negreiros de Souza, dona de uma concessionária de veículos de luxo da cidade, apontada como sua ‘testa de ferro’ e Rogério Faco, um policial militar de São Sebastião, que recebia as quantias em sua conta bancária.
Segundo sua delação, Adriano estava envolvido em investigações de fraudes em contratos em São Sebastião e, por isso, não poderia aparecer como representante da empresa no contrato. Ele se uniu então a Tatiana, que além da concessionária, tinha uma transportadora. Eles usaram a empresa para o contrato, alterando sua lista de registro de serviços um dia antes da licitação.
O empresário afirmou no depoimento que quando começou a execução do serviço, no entanto, a empresa não tinha os equipamentos necessários para a execução. Eles só foram comprados dois meses depois de estarem operando com contrato vigente. Assim, a Negreiros ainda foi paga por serviços que não foram prestados.

ROTA DO DINHEIRO
Oficialmente, a prefeitura pagaria a empresa R$ 13 milhões para a prestação de serviço. Segundo a PF, o superfaturamento do contrato aconteceu para fim de indenização, não só do empresário pelo financiamento eleitoral, como para agentes públicos que fariam vista grossa para o esquema – o que incluiria secretários e vereadores.
Para mascarar a irregularidade, a empresa enviava à gestão relatórios de pesagem de resíduos falsos. Funcionários relataram ao Ministério Público que eram obrigados a pesar o mesmo resíduo mais de uma vez para “bater a meta” de pagamento à empresa.
O valor era pago a Tatiana, que repartia o lucro com Adriano, já que o empresário estava com a conta bloqueada por outros processos na justiça. Sua parte era repassada a conta de Rogério, que é apontado no processo como seu “laranja”. Na quebra de sigilo bancário de sua conta, a PF encontrou um repasse de R$ 600 mil no mesmo dia do pagamento da prefeitura para a Negreiros. Ele então sacava os valores e entregava em espécie à Adriano.

Do contrato, segundo o empresário, R$ 200 mil mensais foram incluídos pelo gabinete da prefeitura e o valor seria encaminhado ao prefeito. Documentos apreendidos pela PF durante a operação na concessionária de Tatiana, envolvida no esquema, mostram as planilhas de custos da empresa. No documento há uma sinalização de valor como ‘overhead’ que, segundo Adriano, seria para pagamento em propina.

Os valores eram entregues por Adriano, escoltado pelo PM, em espécie, em via pública. Nos documentos apreendidos na casa do empresário, a PF encontrou anotações que apontam pagamentos de: R$20 mil para Gabriel Rocha, R$30 mil para Cleisson Kodaira e R$ 5 mil para Antonio Marcos, todos vereadores na cidade. Os valores eram pagos para evitar investigações sobre o contrato. Eles são investigados em outra ação.

De acordo com a PF, o valor total desviado ainda é apurado, e o montante até agora observado foi de R$ 9,6 milhões.

PEDIDOS DO MP
Com base nos documentos, depoimentos e delação premiada, o Ministério Público pediu à justiça a condenação dos empresários e do policial por peculato, associação criminosa, dispensa indevida de licitação e lavagem de capitais. Os empresários ainda vão responder por falsidade ideológica, por forjarem documentos para o pagamento, e corrupção ativa.

Além dos crimes, o MP ainda pediu que sejam sequestrados e bloqueados os bens de todos os envolvidos no valor de R$ 9,6 milhões, além da perda do cargo de Policial Militar de Rogério.

O pedido foi feito à justiça no dia 8 de junho. A reportagem acionou o Tribunal de Justiça para saber se o pedido já foi analisado, mas foi informado que o caso corre em segredo de justiça.

Segundo o documento, o MP acusa os envolvidos dos seguintes crimes:
• Adriano César Pereira: peculato, associação criminosa, dispensa indevida de licitação, falsidade ideológica, corrupção ativa e lavagem de capitais
• Tatiana Negreiros: peculato, associação criminosa, dispensa indevida de licitação, falsidade ideológica, corrupção ativa e lavagem de capitais
• Rogério Faco: peculato, associação criminosa, dispensa indevida de licitação, lavagem de capitais.

O QUE DIZEM OS ENVOLVIDOS
O advogado de defesa de Adriano e Rogério informou que “a defesa não foi oficialmente intimada a se manifestar sobre qualquer documento juntado aos autos”. Disse ainda que o processo está em segredo de justiça e repudia o vazamento das informações.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública, o PM Rogério Faco está afastado e respondendo a processo disciplinar.
Por telefone, a defesa de Tatiana negou que ela esteja envolvida em qualquer esquema de corrupção ou lavagem de dinheiro. Disse que a empresária prestou serviço pelo qual foi contratada de maneira integral. Sobre os valores, disse que a Negreiros e a Peralta, antiga prestadora do serviço para a gestão, não ofereciam o mesmo serviço e, por isso, os valores não podem ser comparados.
A defesa do ex-prefeito Márcio Tenório informou que refuta qualquer delação que o envolva e disse que o que foi dito não está pautado com qualquer prova. Disse ainda que Tenório está ciente de que não há nada de que possa desaboná-lo e que a verdade vai ser esclarecida.
O vereador Marquinhos Guti negou que tenha recebido qualquer valor dos empresários e informou que está à disposição da justiça para esclarecimentos.
O vereador Cleisson Guarubela também negou ter recebido dinheiro de propina para não investigar o contrato. Disse ainda que não foi acionado pela justiça para prestar esclarecimentos sobre as alegações dos envolvidos, mas que está à disposição.
Em nota, os advogados do vereador Gabriel Rocha informaram que ele “não figura como réu nesta Ação Penal e a sua defesa ainda não teve acesso ao conteúdo da colaboração premiada mencionada naqueles autos, o que inviabiliza um parecer aprofundado nesse momento”. Também reforçam que ele não tem envolvimento no caso.
Em nota, o vereador Anísio Oliveira também afirmou não ter recebido propina das empresas. Disse ainda que as alegações não trazem provas de seu envolvimento e que está a disposição para esclarecimentos.

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