Brasil tem 334 células neonazistas e São Paulo é estado com mais grupos

Vale está no estado com a maior quantidade de células neonazistas identificadas por pesquisadora da Unicamp; grupos se pautam pelo ódio às minorias e ataques a judeus, gays, negros, nordestinos e deficientes

O ÓDIO É SEDUTOR
Ele contagia, promete garantias e oferece àqueles que se dobram o pertencimento a uma causa, ainda que odiosa.
É nesse contexto que militam os grupos neonazistas no Brasil em pleno século 21, 75 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial e do legado macabro de Adolf Hitler, ditador do Reich Alemão e figura central do Holocausto.
Pesquisa da antropóloga Adriana Abreu Magalhães Dias, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), revela a existência de 334 células de grupos neonazistas em atividade no Brasil.
Esses grupos se dividem em até 17 movimentos, entre hitleristas, supremacistas brancos, separatistas e de negação do Holocausto.
O Vale do Paraíba está na região brasileira – Sudeste – com o maior número de células neonazistas identificadas pela antropóloga, além do Sul.
São Paulo é o estado com mais células (99), seguido por Santa Catarina (69), Paraná (66) e Rio Grande do Sul (47).
Não há dados sobre a existência de células neonazistas em atividade no Vale do Paraíba, embora também não se descarte tal possibilidade.
A pesquisa de Adriana sobre a ascensão da extrema-direita começou nos anos 2000 e fará parte de um livro. Segundo ela, os grupos se pautam pelo ódio às minorias e pela culpa ao outro, seja judeus, gays, negros, nordestinos ou deficientes físicos.
Um simpatizante da causa extremista é aquele que, ao longo de um ano, fez download de mais de cem arquivos, relativos a temas como eugenia, xenofobia e antissemitismo. A estimativa é que, no Brasil, esses simpatizantes passem de 200 mil.
“O simpatizante de hoje pode se tornar o militante de amanhã”, disse a pesquisadora em entrevista à Unicamp. “Desses 200 mil, ao menos 10% fazem parte de células neonazistas e 1% virou foragido da Justiça”.
Apologia ao nazismo é crime e prevê pena de dois a cinco anos de prisão, além de multa.

PERFIL
Segundo a pesquisa de Adriana, os líderes dos grupos têm entre 25 e 30 anos, nível superior completo e bons empregos. Já os seguidores são mais jovens, de 16 a 25 anos, com ensino médio e fundamental e das classes C e D. São eles que cuidam do “trabalho sujo”, como sair às ruas para afixar cartazes e fazer pichações de cunho racista.
O principal requisito feito ao candidato, na maior parte dos grupos, é ser branco. Em outros, pede-se a prática de algum tipo de arte marcial e manejo com armas brancas, como estilete e soco inglês.
Segundo Adriana, o jovem que não consegue ingressar na universidade, não arranja um bom emprego e não tem uma motivação na vida é a “presa mais fácil para esses grupos extremistas”.
Em São Paulo, a Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância) cuida desse tipo de caso.

‘QUASE MORRI EM GRUPO DE CARECAS’, DIZ EX-SEGUIDOR DE IDEOLOGIA NAZISTA
No final dos anos 1980, Anderson (nome fictício) era vocalista em uma banda de rock em Guaratinguetá. O estilo de som era o dos “carecas do subúrbio”, movimento que surgiu junto a operários do ABC paulista.
Embora nem todos fossem adeptos do ideário nazista, as roupas, símbolos e atitude emulavam o partido alemão. “Era careca e com tatuagens e muito violento na época. Nem sabia direito o que era nazismo, mas a gente curtia os símbolos”. Mais de 30 anos depois, morando fora do Vale, Anderson conta que quase morreu no grupo de carecas, e que se arrepende daquela época. “Violência não me deu nada de bom”.

‘CORRUPÇÃO É A MÃE DA VIOLÊNCIA’, DIZ ESCRITORA ESPECIALISTA NA SEGUNDA GUERRA
Para a escritora e pesquisadora Maura Palumbo, especialista em Segunda Guerra Mundial e Nazismo, a corrupção gera outras violências e abre caminho a extremismos.
“A violência está impregnada no nosso país, independente do governo. Presenciamos uma parte dolorida da história, a corrupção, que gera outras violências. Onde existe corrupção, miséria e falta de educação desemboca na violência. É conjuntural.”
Maura é autora de dois livros de ficção histórica: “O perfume das tulipas” e “Auschwitz – Prisioneiro (sobrevivente) 186650”, e lança em abril, em São Paulo, o romance “Entre Canteiros”.
Formada em Direito, palestrante e guia das visitas monitoradas ao Memorial do Holocausto em São Paulo, Maura chama a corrupção de “mãe de toda a violência” e aponta a educação com a única salvação para o país. “A pessoa que não tem informação e educação, e oportunidade, fica refém de manipuladores.”
Maura considera que vivemos num país corrupto e violento “há muitos anos” e que essa percepção denigre a imagem do Brasil no exterior, além de abrir espaço para o surgimento de grupos neonazistas.
“O recrutamento é pela internet. Muitos lutam pelas causas sem entender nada. Eles compram a questão do Nazismo, esses jargões, sem sequer conhecer a história”, diz.
Apartidária, Maura diz que o episódio envolvendo Roberto Alvim, ex-secretário da Cultura do governo Bolsonaro demitido por emular um discurso nazista, foi patético. “Foi premeditado, sabia das consequências. Ninguém faz uma interpretação sórdida sem ter propósito”.

Fonte: OVale

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